CONTOS DE CARMEM PERROTTA



E assim surgiu o Papai Noel do Sampaio


 Carmem tinha uns 10 anos. Menina pobre, de família pobre, mas muito bem criada. Era a segunda de uma turma de 7 irmãs. Nossa... quantas dificuldades passaram. Francisco Perrotta, meu avô, morreu muito cedo e a família não tinha dinheiro pra nada. Nem mesmo para um pãozinho. Elas pegavam sempre o pão de ontem na padaria. Aliás, ouvi tanto essa história que é por isso que valorizo demais um pão “dormido” assado e queimado na boca do fogão... uma delícia!!!
A família morava no casarão da Tia Rosa (uma casa imensa, em frente à estação de trem do Sampaio). Várias famílias moravam ali. Aquela coisa: muitas famílias, muitas crianças. Famílias italianas, oriundas da Calábria! Então, podemos imaginar a gritaria do local, pois italiano da Calábria, “casca grossa”, não fala, BERRA! Eles gritam assim quando acordam e vão gritar dormindo! Devia de ser o maior índice de decibéis do Rio. Passionais ao extremo. Amorosos ao extremo. Sinceros demais. Povo trabalhador muito legal que fugiu das péssimas condições da Itália pós guerra e veio morar aqui no Sampaio e Riachuelo.
Os Natais de Carmem Perrotta eram de grande preocupação. Desde menina ela se preocupava com as irmãs mais novas, reformava bonecas, roupas e trabalhava muito pra que todas passassem pelo menos uma noite feliz, como todas as crianças deveriam ser no Natal.
Na véspera de um desses Natais, uma amiga mais velha de Carmem falou pra ela pendurar  uma meia na janela com um pedido ao Papai Noel. E Carmem assim o fez. Todos os dias a garota encontrava Carmem para brincar e dizia que o bom velhinho deixaria o presente debaixo da cama, na noite do dia 24 de dezembro. Minha mãe pediu no seu bilhete uma bicicleta! Era um sonho que ela acalentava... uma bicicleta!!! Naquele tempo, meus avós não teriam a menor condição de comprar uma bicicleta. Todas as noites ela “rezava” para o seu pedido ser atendido e a tal menina da ideia sempre quando a encontrava falava que o desejo iria se realizar.
Foi a noite mais longa da vida de Carmem. O Natal foi muito simples, como todos da sua infância. Mas aquele tinha uma esperança: a sonhada bicicleta chegaria com Papai Noel. A ansiedade foi tanta que ela adormeceu e (é claro!) sonhou com a bicicleta! Quando acordou olhou pra debaixo da cama e .... nada. Procurou pela casa e nada encontrou. Muito triste, arrasada e chorando foi para a rua, andar. Na manhã do dia 25, todas as crianças exibiam orgulhosas seus presentes trazidos por Papai Noel.
Eis que passa de bicicleta, toda animada a menina que iludiu Carmem. Na inocência, ainda chorando, minha mãe disse que Papai Noel tinha se esquecido dela. “Mas você é muito burra mesmo!  Papai Noel não existe!! Foi só pra pregar uma peça em você!”, disse a tal menina. Aliás, essa deve ter sido a última “peça” que ela pregou em alguém...
Carmem se levantou do meio fio e derrubou a menina, com bicicleta e tudo. Bateu tanto nela... que a menina caiu. Era tanta pancada na cabeça que o meio fio ficou todo manchado de  sangue. Foi quase impossível tirar Carmem de cima da garota.
A garota não morreu nem ficou retardada. Ainda bem!!
Mas esse Natal desastroso teve duas sérias consequências. Carmem nunca aprendeu a andar de bicicleta. E o Sampaio, mais tarde, ganhou seu mais nobre Papai Noel. Com os filhos na mesma idade em que ela foi enganada, Carmem Passou a se vestir de Papai Noel  e distribuir brinquedos para as crianças nos Natais. Em festas de orfanatos, em escolas, nas praças, nas casas de ricos e nas casas de pobre. Nas noites de 24 de dezembro todas as crianças dessas bandas tinham pelo menos uma única certeza: seja rico ou seja pobre o velhinho sempre vem.


A MULHER GORILA


Em 1975 a Quadrilha do Sampaio levava o nome do clube. E a Quadrilha do Sampaio Atlético Clube, na verdade eram duas: mirim e adulta. A fama de bicho papão dos concursos começou em 1970 e persiste até hoje. Sinceramente, não sei como minha mãe aguentava. Tinha dias que a mirim dançava em sete festas e adulta em cinco!!!  Doze apresentações? Como assim??? Sei lá!! Mas é verdade! E quando a quadrilha chegava às 5:30 da manhã a gente ia pra cama e Carmem Perrotta ficava acordada, enrolando salgadinhos do bufê??? Nossa... isso cansa só de lembrar!!!!
Em um sábado de junho, debaixo de uma chuva danada, a quadrilha infantil ganhou o torneio oficial da cidade, realizado no Parque Xangai, na Penha. Bi-campeã!!!  No domingo, Carmem dispensou os adultos e gentilmente foi atender o pedido de uma amiga do bairro do Cachambi que precisava da apresentação da sua quadrilha. Fomos dançar!!! A criançada elétrica e extasiada ainda sob efeito da conquista da madrugada. A Quadrilha do Sampaio Mirim dançou e foi muito aplaudida, como sempre. Carmem foi descansar aos pés de uma árvore e pegou a bandeira do clube para fazer de manta (tava um friozinho gostoso).  E a festa continuava, muito decorada e tinha um palanque com convidados e troféus.
A próxima atração da festa era a quadrilha do condomínio. Quadrilha brincalhona, do tipo improvisada  com a molecada. Muito animada e divertida... mas uma bagunça só! Após a dança, alguém pegou o microfone e anunciou:
- E agora, vamos ao resultado! Em segundo lugar, Quadrilha do Sampaio!
Carmem estava dormindo a uns 5 metros da caixa de som. Nunca vou esquecer disso!! Ela abriu os olhos, tonta, sem acreditar. Em câmera lenta (igualzinho ao “Incrível Hulk”) ela jogou a bandeira do clube na grama. Nossos olhares paralisaram...  A quadrilha do condomínio pulava de alegria com suas mães. Os moradores comemoravam. E nós, totalmente incrédulos e  paralisados. Carmem foi abrindo espaço na pequena multidão e a gente vendo “aquilo” se mover entre as pessoas, indo em direção ao palanque.
Todos nós já sabíamos o que iria acontecer e fizemos questão de não acalmar Carmem Perrotta. Ela se pendurou no palanque! Urrava igualzinho à Konga, mulher gorila!!! O palanque balançava tanto que quase desmontou. E Carmem começou a puxar os pés dos convidados e do vereador presente. Abriu-se uma clareira na festa! “O que???? Estão pensando que eu sou palhaça?? Era concurso?? Minhas crianças acabaram de ganhar o bi-campeonato do Rio de Janeiro!! Perder pra essa quadrilha de merda? Vou quebrar isso tudo!!” , gritava cada vez mais, enquanto tentava agarrar as pernas das pessoas que pulavam aterrorizadas. E a nossa criançada rindo e aplaudindo!!!
Não teve para ninguém!!!  Ainda bem que todos do palanque escaparam ilesos da fúria da “Konga”!! No dia seguinte, eu tinha escola às 7:15h da manhã. Ao abrir o portão me assustei com o imenso troféu que estava no palanque da festa. O troféu e o vereador Edgar de Carvalho Junior. Ihhhhhhh.... chamei minha mãe e fui estudar!!!!


"Um dia, quem sabe, tudo isto aqui irá parar num livro. Por enquanto, conto contos da minha mãe. Adoro ler, reler, chorar de saudade!!! Quanta coisa linda virá por aí!!! Vamos aos poucos!!! Assim vou entendendo que TUDO nessa vida tem um "porque"!!!"

Marcio Perrotta

8 comentários:

  1. hahahaha... uma pena eu não ter convivido com essa "figura" que era Dona Carmen!

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  2. Nossa Dona Carmen não levava desaforo mesmo, brigava por seus componentes...Ela sempre teve um carinho, por Eu,Ô Bombom...rs, assim ela me chamava.

    Divina...Irradiante !!

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  3. Maravilha!!! Ainda bem que ela deixou seu um Príncipe para manter essas histórias vivas. kkk...

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  4. Nossa,desde pequena,Dona Carmem não deixava barato as coisas.
    Viva Dona Carmem Perrotta!!!

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  5. Lendo o conto de Natal da dona Carmem revivi um pouco da minha infância no Rio, pois meus avós eram da Calábria, (Fuscaldo) e era bem assim como você descreveu.
    Legal sua homenagem a sua mãe.

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  6. Com muito orgulho me torno um brincante dessa incrível quadrilha .
    Quadrilha essa cheio de histórias incríveis e completamente rica de alegria.
    Márcio , parabéns por levar essa grandiosidade história para todos nós.

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  7. Sigamos juntos pela cultura popular!!!
    Avante, Brincantes!!!

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